Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ArqMudi
ARTIGO ORIGINAL
Aceito em: 27/09/2023 Publicado em: 15/12/2023
CROSS-SECTIONAL STUDY: ANALYSIS OF HORMONAL CONTRACEPTIVE SIDE
EFFECTS AND CORRELATION WITH COVID-19 CLINICAL CONDITION
Abstract
The symptomatology of COVID-19 is nonspecific, with its main symptoms being fever, cough, dyspnea, myalgia and fatigue. A disparity in
the presentation of clinical conditions related to COVID-19 has been observed between men and women, possibly linked to hormonal factors.
Studies have demonstrated that estrogens stimulate the humoral response to viral infections, while testosterone and progesterone promote
immunological suppression of both innate and cell-mediated immune responses. Within this context, this study aimed to collect data from
women who used or did not use hormonal contraceptives, in order to correlate the consumption or absence of the hormone with susceptibility
to COVID-19. We conducted an observational study based on the information obtained from a questionnaire applied on data200 women, 71
(35.5%) of women who do not use hormonal contraceptives and 129 (64.5%) of women who use some type of hormonal contraceptive. Based
on the responses from the participants, we could see that 39.5% reported not having contracted COVID-19 and 64.5% were taking hormonal
contraceptives. The use of oral hormonal contraceptives was associated with decrease in libido (p=0.004), while the duration of contraceptive
use was linked to alterations in emotional sensitivity (p=0.011). In this study, the frequency of SARS-CoV-2 infection did not significantly
differ between participants who used hormonal contraceptives and those who did not (p=0.547). However, the use of these contraceptives was
associated with a lower frequency of fever (p=0.032) and dyspnea (p=0.006) among COVID-19-positive patients. Although this study has
certain methodological limitations, it has allowed us to formulate a hypothesis regarding the relationship between the use of hormonal
contraceptives and better prognosis of COVID-19. This hypothesis can be further investigated through experimental studies.
Keywords: Contraceptive. Prognosis. Hormone. SARS-CoV-2..
ESTUDO TRANSVERSAL: ANÁLISE DOS EFEITOS COLATERAIS DO
CONTRACEPTIVO HORMONAL E CORRELAÇÃO COM O QUADRO CLÍNICO
DA COVID-19
Sabrina Baratieri
Universidade Estadual de Maringá, Centro de
Ciências da Saúde sabribaratieri@gmail.com
Rafaela Lázaro Rusiquim
Universidade Estadual de Maringá, Centro de
Ciências da Saúde
rafaellarusiquim@gmail.com
Izabella Ruella Martinoti
Universidade Estadual de Maringá, Centro de
Ciências da Saúde
izabellaruela@gmail.com
Resumo
A sintomatologia da COVID-19 é inespecífica, sendo os seus principais sintomas
febre, tosse, dispneia, mialgia e fadiga. Tem sido observada disparidade na
apresentação das condições clínicas relacionadas à COVID-19 entre homens e
mulheres, possivelmente ligada a fatores hormonais. Estudos demonstraram que os
estrogênios estimulam a resposta humoral às infecções virais, enquanto a
testosterona e a progesterona promovem a supressão imunológica das respostas
imunes inatas e mediadas por células. Dentro desse contexto, este estudo teve como
objetivo coletar dados de mulheres que usavam ou não contraceptivos hormonais, a
fim de correlacionar o consumo ou ausência do hormônio com a suscetibilidade à
COVID-19. Realizamos um estudo observacional baseado nas informações obtidas
de um questionário aplicado em 200 mulheres, 71 (35,5%) de mulheres que não
usam contraceptivos hormonais e 129 (64,5%) de mulheres que usam algum tipo de
contraceptivo hormonal. Com base nas respostas dos participantes, pudemos
constatar que 39,5% relataram não ter contraído COVID-19 e 64,5% faziam uso de
anticoncepcionais hormonais. O uso de contraceptivos hormonais orais foi associado
à diminuição da libido (p=0,004), enquanto a duração do uso de contraceptivos foi
associada a alterações na sensibilidade emocional (p=0,011). Neste estudo, a
frequência de infecção por SARS-CoV-2 não diferiu significativamente entre as
participantes que usaram contraceptivos hormonais e as que não usaram (p=0,547).
Entretanto, o uso desses contraceptivos foi associado a menor frequência de febre
(p=0,032) e dispneia (p=0,006) entre pacientes positivas para COVID-19. Embora
este estudo apresente certas limitações metodológicas, permitiu-nos formular uma
hipótese sobre a relação entre o uso de contraceptivos hormonais e melhor
prognóstico da COVID-19. Esta hipótese pode ser investigada posteriormente
através de estudos experimentais.
Palavras-chave: Contraceptivo. Prognóstico. Hormônios. SARS-CoV-2.
Laisla Karine Carvalho Andrade
Universidade Estadual de Maringá, Centro de
Ciências da Saúde
carvalholaisla0@gmail.com
Bruna Karina Banin Hirata Universidade
Estadual de Maringá, Centro de Ciências da
Saúde
bkbhirata2@uem.br
Estudo transversal: análise dos efeitos colaterais do contraceptivo hormonal e correlação com o quadro clínico da
Covid-19
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
55
1. INTRODUÇÃO
Em março de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarou uma pandemia pela
COVID-19, uma doença ocasionada pelo vírus SARS-CoV-2 (sigla do inglês que significa
coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave). Atualmente, sabe-se que o SARS-CoV-2
é transmitido por inalação ou contato direto com gotículas infectadas, e os sintomas são
inespecíficos, podendo ser facilmente confundido com outras doenças, sendo os mais
frequentes a febre, tosse, dispneia, mialgias e fadiga (ESTEVÃO, 2020). Além disso, vem
surgindo cada vez mais evidências de que os sintomas debilitantes podem ocorrer por semanas
ou até mesmo meses após o diagnóstico da COVID-19, demonstrando o surgimento de sequelas
nesse período de pós-infecção (WILLI et al., 2021). Sabe-se que até setembro de 2023 foram
contabilizados 761,8 milhões de casos mundialmente e 6,9 milhões de óbitos acumulados
(MATHIEU et al., 2020).
De acordo com um estudo realizado no Brasil, constatou-se que a maior parte dos casos
está concentrada na região Sudeste, e entre o total de óbitos a maioria apresentava pelo menos
um fator de risco. A cardiopatia foi a principal comorbidade e a maioria dos indivíduos tinha
60 anos ou mais, com predominância do sexo masculino (SILVA; OLIVEIRA, 2020).
Embora exista a mesma proporção de indivíduos do sexo feminino e masculino
infectados, estudos demonstram que os homens são mais suscetíveis à COVID-19 grave, com
maior risco de morte em relação às mulheres (SILVA et al, 2021). Uma possível explicação
para essa disparidade clínica relaciona-se com fatores hormonais. Os estrogênios estimulam a
resposta humoral às infecções virais, enquanto a testosterona e a progesterona promovem uma
supressão imunológica das respostas imunes inatas e mediadas por células. Assim, sugere-se
que os estrogênios, em particular o estradiol, mas também o estrogênio sintético, como o
etinilestradiol, poderiam proteger as mulheres das complicações mais graves da COVID-19.
Desse modo, o uso de medicamentos que mantêm os níveis hormonais elevados e estáveis,
como o anticoncepcional hormonal combinado, poderia, portanto, desempenhar um papel
protetor (GRANDI; FACCHINETTI; BITZER, 2020).
Por se tratar de um hormônio sintético presente no organismo, o uso desses
contraceptivos pode causar diferentes efeitos adversos, além da modulação imunológica
anteriormente citada. Dentre elas, incluem: modificações metabólicas, nutricionais,
psiquiátricas, vasculares, oculares, gastrointestinais, hepato-biliares, renais/urinárias, auditivas
e distúrbios no sistema nervoso central (SNC), e do sistema reprodutor (MITRE et al, 2006).
Baratieri et al., 2023
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
55
Agregado a isso, considerando o elevado número de mulheres que fazem uso do
contraceptivo hormonal, os efeitos colaterais a ele relacionados, bem como o possível impacto
no prognóstico de uma doença infecciosa, um estudo transversal com mulheres infectadas eo
infectadas pelo SARS-CoV-2, que fazem uso do contraceptivo hormonal pode ajudar a entender
a influência deste medicamento na evolução clínica da doença em mulheres. A compreensão
do efeito hormonal e a discussão sobre o impacto sobre o sistema imunológico em pacientes
infectados norteiam estudos experimentais e podem auxiliar no desenvolvimento de novas
estratégicas terapêuticas para a doença ou na conduta do uso do contraceptivo hormonal por
mulheres.
Assim, mediante todas essas informações apresentadas, o presente estudo teve por
objetivo, avaliar os efeitos colaterais com o uso de diferentes contraceptivos hormonais, e
correlacionar os diferentes métodos contraceptivos com a evolução clínica da COVID-19.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
A pesquisa descritiva e de corte transversal foi realizada através da aplicação de um
questionário presencial e virtual, conforme aprovado pelo ComiPermanente de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (COPEP) da Universidade Estadual de Maringá (CAAE:
65825222.2.0000.0104).
O recrutamento das mulheres consistiu de uma busca ativa, pela pesquisadora
responsável, majoritariamente no campus sede da Universidade Estadual de Maringá, de
potenciais participantes. Todas as participantes que concordaram em participar voluntariamente
da pesquisa foram convidadas a ler e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido, e
tiveram suas dúvidas sanadas pelos pesquisadores. Das 200 mulheres entrevistadas, 89
responderam o questionário de maneira presencial e o restante respondeu virtualmente. Não
houve diferença entre a aplicação do questionário presencial e virtual.
Foram coletados dados de 200 participantes, 71 (35,5%) de mulheres que não fazem uso
de contraceptivo hormonal e 129 (64,5%) de mulheres que fazem uso de algum tipo de
contraceptivo hormonal. Foram adotados os seguintes critérios de exclusão: ser do sexo
masculino, ter menos de 18 anos ou acima de 50 anos de idade; estar gestante durante a infecção
por SARS-CoV-2; apresentar outras doenças durante a infecção por SARS-CoV2; apresentar
tumor benigno ou maligno de mama ou ovário durante a infecção por SARS-CoV-2; fazer uso
de terapia de reposição hormonal.
Estudo transversal: análise dos efeitos colaterais do contraceptivo hormonal e correlação com o quadro clínico da
Covid-19
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
56
Os dados coletados dos questionários foram inseridos e tratados em uma planilha no
Microsoft Excel (Microsoft Office Professional Plus 2016). Foi realizada uma busca da
composição dos contraceptivos hormonais, por meio da consulta da bula do fármaco, para
realizar as análises de correlação com os seus efeitos colaterais. As análises foram realizadas,
através do software IBM SPSS Statistics (IBM, New York, USA), análises de associação pelos
testes de Qui-quadrado de Pearson, Kruskal-Wallis e Mann-Whitney e para avaliar a magnitude
e direção de correlações entre as variáveis foi realizado o teste Tau-b de Kendall. O nível de
significância adotado foi de 5% (p<0,05).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A média de idade das mulheres que não faziam uso de contraceptivo foi de 26 ± 6,4
anos e a das que faziam uso de contraceptivo hormonal foi de 26 ± 6,2 anos. A média de idade
de início do uso destes fármacos foi de 18 ± 2,8 anos.
Das participantes que faziam uso do hormônio 82,2% utilizavam anticoncepcional oral
e 17,8% utilizavam outros métodos anticonceptivos. Destes 10,9% eram usuárias de DIU
(dispositivo Intrauterino), 1,6% implante subdérmico, 3,9% contraceptivo injetável, 1,6% anel
vaginal e 0,8% adesivo anticoncepcional. Além disso, 8,5% relataram ter utilizado mais de um
método contraceptivo. Quando questionadas sobre o motivo que as levaram a fazer uso do
contraceptivo hormonal, mais de 90% delas responderam que era para evitar gravidez, controlar
a menstruação e o aparecimento de acnes.
Foi encontrada uma associação significativamente diferente entre o uso do
contraceptivo oral e a perda de libido (p=0,004), quando comparado com os contraceptivos não
orais. Apesar disso, a composição do contraceptivo (estrogênio ou progesterona sintéticos,
isolados ou combinados) não foi correlacionada à perda de libido (Tabela 1).
Tabela 1 Frequência de mulheres que relataram a presença do efeito colateral com o uso do
contraceptivo de acordo com diferentes composições.
Efeito colateral
Contraceptivo
com ES
n (%)
Valor de p
Perda de libido
13 (59,1%)
0,240
Inchaço das
mamas
3 (13,6%)
0,353
Ganho de peso
6 (27,3%)
0,541
Sensibilidade
emocional
9 (40,9%)
0,793
Retenção de
líquido
10 (45,5%)
0,874
Baratieri et al., 2023
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
57
Peso nas pernas
4 (18,2%)
0,726
Queda de cabelo
5 (22,7%)
0,897
Ansiedade
5 (22,7%)
0,102
Cefaleia
6 (27,3%)
0,958
Depressão
1 (4,5%)
0,005*
Desconforto
gastrintestinal
8 (36,4%)
0,346
* Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. ES: estrogênio sintético; PS: progesterona
sintética.
A associação do contraceptivo oral com a perda de libido pode ser explicado devido à
redução nos níveis de andrógenos, diminuindo a testosterona livre e biodisponível, afetando
assim a libido (CIAPLINSKIENE et al., 2016). Agregado a isso, a pílula anticoncepcional oral
precisa passar por toda a via digestiva para ser absorvida pelo corpo. Assim, pontua-se que
usuárias desse tipo de contraceptivo, podem sofrer um grande desequilíbrio no organismo, além
de estar relacionada com outras doenças que comprometem as vias digestivas como colite
ulcerativa e doença de Crohn, em mulheres com histórico de tabagismo (KHALILI et al., 2013).
Os contraceptivos orais combinados foram associados com a diminuição da
diversidade da microbiota intestinal (MIHAJLOVIC et al., 2021), e um estudo desenvolvido
por Li e colaboradores (2021) mostrou que diferenças nesta microbiota estão correlacionadas
ao nível de desejo sexual da mulher.
Um estudo realizado por Skovlund et al. (2016) mostrou que o uso de anticoncepcionais
hormonais, principalmente entre adolescentes, foi associado ao uso de antidepressivos e a um
primeiro diagnóstico de depressão, sugerindo a depressão como um potencial efeito adverso do
uso de contraceptivos hormonais. Áreas envolvidas com a regulação emocional, tais como
amígdala e hipotálamo, podem expressar receptores de estrógeno, e estudos com animais
demonstraram que tanto o estrogênio quanto a progesterona modulam a síntese de
neurotransmissores associados ao humor, como a serotonina (TOFFOLETTO et al., 2014).
Além disso, no presente estudo observou-se que a sensibilidade emocional foi mais
prevalente em mulheres que utilizaram o contraceptivo hormonal por menos tempo (p= 0,011),
indicando que à maior exposição ao hormônio sintético poderia estar relacionado a maior
equilíbrio emocional. No entanto, é importante destacar que diferentes combinações de
contraceptivos hormonais, podem exercer efeitos diferenciados no sistema nervoso central,
podendo promover a melhoria da saúde mental em algumas mulheres. Desta forma, é difícil
prever o impacto do contraceptivo no humor da mulher, e tampouco sugerir que seja necessário
aumentar a vigilância psiquiátrica para usuárias desses medicamentos, sendo para isso
necessário mais estudos (ROBAKIS et al., 2019).
Estudo transversal: análise dos efeitos colaterais do contraceptivo hormonal e correlação com o quadro clínico da
Covid-19
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
58
Das participantes entrevistadas 60,5% relataram terem sido diagnosticadas com a
COVID-19. Entre os indivíduos que apresentraram esta doença, 70,1% relataram que haviam
sido vacinadas previamente a infecção pelo SARS-CoV-2. Um estudo desenvolvido por
Costeira et al. (2021) mostrou que mulheres na menopausa, as quais apresentam níveis
inferiores de estrogênio, tiveram taxa de COVID-19 mais alta do que mulheres que faziam uso
de anticoncepcional oral combinado, sustentando um efeito protetor da exposição ao estrogênio
durante a infecção pelo referido vírus. No entanto, no presente estudo não foi encontrada uma
diferença significativa na prevalência da infecção por SARS-CoV-2 entre as mulheres usuárias
e não usuárias de contraceptivos hormonais. Apesar disso, é importante lembrar que algumas
mulheres podem ter sofrido uma infecção assintomática, e por isso não é possível afirmar a total
ausência de correlação entre estas variáveis.
A análise da correlação do tipo de contraceptivo hormonal com os sintomas da COVID-
19 está descrita na Tabela 2. Foi possível observar que a febre foi um sintoma mais frequente
em participantes que não fazem uso do contraceptivo hormonal (p=0,032), particularmente
quando o contraceptivo apresenta uma combinação de estrogênio e progesterona sintéticos.
Tabela 2 Prevalência dos sintomas da COVID-19 em mulheres que fazem uso de
contraceptivos hormonais.
Sintomas da
COVID-19
Não fez uso de
contraceptivo
Contraceptivo
com ES
n (%)
Contraceptivo
com PS
n (%)
Contraceptivo
com ES + OS
n (%)
Valor
de p
Dor de garganta
15 (35,7%)
5 (33,3%)
3 (75%)
11 (45,8%)
0,395
Cefaleia
19 (45,2%)
8 (53,3%)
2 (50%)
15 (62,5%)
0,605
Dor no corpo
16 (38,1%)
3 (20%)
1 (25%)
7 (29,2%)
0,595
Artralgia
28 (40%)
0 (0%)
0 (0%)
1 (4,2%)
0,462
Febre
24 (57,1%)
8 (53,3%)
2 (50%)
5 (20,8%)
0,036*
Tosse
18 (42,9%)
6 (40%)
1 (25%)
11 (45,8%)
0,977
Dispneia
7 (16,7%)
5 (33,3%)
1 (25%)
4 (16,7%)
0,534
Coriza
18 (42,9%)
6 (40%)
1 (16,7%)
9 (37,5%)
0,901
Disgeusia e/ou
anosmia
10 (23,8%)
6 (40%)
0 (0%)
9 (37,5%)
0,276
* Valor de p<0,05 foi considerado estatisticamente significativo. ES: estrogênio sintético; PS: progesterona
sintética.
Altos níveis de estrogênios suprimem a produção de citocinas pró-inflamatórias, como
a interleucina 6 (IL-6), pelos macrófagos e previnem a migração de monócitos e neutrófilos,
além de estimular a produção de anticorpos. A progesterona, por sua vez, reduz a produção de
citocinas anti-inflamatórias pelas células T auxiliares e aumenta o número de células T
Baratieri et al., 2023
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
59
reguladoras (MAUVAIS-JARVIS; KLEIN; LEVIN, 2020). A interleucina 1 (IL-1) e IL-6 são
conhecidamente citocinas pirogênicas, ou indutoras de febre, enquanto a IL-10 age como
antipirético endógeno, ou inibidor da febre (LEON, 2002). Na maioria dos modelos
experimentais humanos ou murinos os efeitos anti-inflamatórios do estrogênio sobre a
imunidade inata incluem a supressão da produção de IL-6, IL-1β, por monócitos e macrófagos,
e o estímulo de produção de IL-4 e IL-10 (MAUVAIS-JAVIS; KLEIN; LEVIN, 2020). Dentro
deste contexto, os contraceptivos hormonais cuja composição inclui o estrogênio sintético,
podem exercer um efeito protetor contra o desenvolvimento da febre na COVID-19.
O tempo de uso do contraceptivo hormonal, em anos, não foi relacionado à ocorrência
de dores de garganta (p=0,267); cefaleia (p=0,930); dores no corpo (p=0,579); dores nas
articulações (p=0,986); febre (p=0,348); tosse (p=0,215); coriza (p=0,638); perda de paladar
e/ou olfato (p=0,714); ocorrência de vômitos (p=0,397) ou diarreia (p=,340). Porém, foi
encontrada uma diferença no tempo de uso do contraceptivo hormonal entre as participantes
que apresentaram dispneia das que não apresentaram este sintoma (p=0,006). Ao se avaliar a
relação entre estas duas variáveis, foi encontrada uma correlação negativa (p=0,021, tau=-
0,312), indicando que a frequência de casos de dispneia foi menor em participantes que
utilizaram o contraceptivo hormonal por mais tempo. Contudo, não foi possível encontrar uma
associação com a dispneia quando foram analisados contraceptivos com diferentes
composições. Foi observada uma tendência de associação com o contraceptivo hormonal
combinado (p=0.087) , porém, seria necessário um estudo com um número amostral maior para
verificar essa associação.
Estudos mostram que o estrogênio pode conferir proteção contra lesões pulmonares
através da atenuação da permeabilidade vascular e edema pulmonar e da redução da
vasoconstrição pulmonar durante a hipóxia por aumentar os níveis de prostaciclina e óxido
nítrico (BREITHAUPT-FALOPPA et al., 2020). Em concordância com este trabalho, um
estudo desenvolvido por Speyer et al., (2005), mostrou em modelos animais que camundongos
ovariectomizados perdem a proteção contra lesão pulmonar aguda, mas que esta podia ser
restaurada com a reposição de estrogênio. Mais recentemente, foi demonstrado que o estrogênio
regula positivamente o receptor Mas (MasR), envolvido com vasodilatação, e isto contribui
para a prevenção da lesão pulmonar aguda (ERFINANDA et al., 2020).
Entretanto, apesar do efeito protetor contemplado ao hormônio, devido à relação com
menor índice de febre e dispneia, na COVID-19, é importante salientar que o contraceptivo
hormonal também pode apresentar efeitos negativos, a longo prazo. Pesquisas apontam que a
trombose atrelada à COVID-19 vem se tornando uma complicação recorrente em pacientes
Estudo transversal: análise dos efeitos colaterais do contraceptivo hormonal e correlação com o quadro clínico da
Covid-19
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
60
internados em unidades de terapia intensiva (UTIs) (FARIAS; ALVARENGA; SOUZA, 2021).
Cabe salientar que o etinilestradiol, hormônio que compõe a maioria dos anticoncepcionais
hormonais, induz alterações significativas no sistema de coagulação. Esses hormônios atuam
diretamente na parede vascular influenciando mudanças nos fatores que estimulam a disfunção
endotelial. Essas transformações são favoráveis ao desenvolvimento de eventos
tromboembólicos como acidente vascular cerebral, trombose venosa profunda (TVP) e
tromboembolismo pulmonar (TEP) (SOUSA; ALVARES, 2018).
Entendendo isso, pode-se pontuar que o uso contínuo do contraceptivo hormonal, após
infecção pelo SARS-CoV-2 pode estar associado a complicações da doença, de modo que o
hormônio não pode ser associado apenas como um fator de proteção. No entanto, como as
evidências sugerem que pode haver pouca ou nenhuma chance de hospitalização ou uma
pequena diminuição, e pouco ou nenhum efeito nas chances de mortalidade para usuárias de
contraceptivos hormonais com COVID-19, a Sociedade Italiana de Contracepção recomendou
que as usuárias continuassem a administração do medicamento (CAGNACCI; LONDERO;
XHOLI, 2022). Recomendação esta concordante com as estabelecidas pela Sociedade Coreana
de Contracepção e Saúde Reprodutiva, desde que a paciente apresente COVID-19 com
gravidade leve a moderada, devendo suspender a medicação se estiverem gravemente doentes
ou com sintomas persistentes da COVID-19 (LEE et al., 2022).
Observou-se também que embora tenha sido encontrada uma associação significativa
do contraceptivo hormonal com o tipo de hormônio presente no anticoncepcional (Tabela 1),
em virtude do baixo número de indivíduos analisados, estudos complementares são
fundamentais para a melhor compreensão desta associação.
4. CONCLUSÕES
Pode-se concluir que o uso de contraceptivo hormonal durante a pandemia da COVID-
19 pode apresentar diferentes efeitos no organismo humano, podendo ser estes positivos ou
negativos. Estes efeitos podem sofrer influência de inúmeros outros fatores como
individualidade genética e estilo de vida, cuja combinação contribui com o resultado benéfico
ou não para o organismo. Portanto, os resultados deste estudo dão embasamento para o
planejamento de estudos experimentais e melhor compreensão do papel do contraceptivo
hormonal no prognóstico da COVID-19. Além disso, compreender o efeito deste medicamento,
no âmbito desta doença pode assistir a conduta médica quanto à orientação de suas pacientes,
quanto ao uso do contraceptivo hormonal, particularmente durante e após a infecção pelo
SARS-CoV-2.
Baratieri et al., 2023
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
61
REFERÊNCIAS
ANTONIO, M. V. DO N. et al. Tempestade de citocinas na COVID-19. ULAKES
JOURNAL OF MEDICINE, v. 1, 20 jul. 2020.
BREITHAUPT-FALOPPA AC, CORREIA CJ, PRADO CM, STILHANO RS, URESHINO
RP, MOREIRA LFP. 17beta-Estradiol, a potential ally to alleviate SARS-CoV-2 infection.
Clinics (Sao Paulo). 2020.
CAGNACCI A, LONDERO AP, XHOLLI A. COVID-19 and hormonal contraception. Case
Rep Womens Health. 2022 Apr;34:e00389. doi: 10.1016/j.crwh.2022.e00389. Epub 2022
Jan 25. PMID: 35096531; PMCID: PMC8788094.
ČIAPLINSKIENĖ, L.; ZILAITIENE, B.; VERKAUSKIENE, R.; ZALINKEVICIUS, R.;
BUMBULIENE, Z.; VANAGIENE, V.; BITZER, J. The effect of a drospirenone-containing
combined oral contraceptive on female sexual function: a prospective randomised study. The
European Journal of Contraception & Reproductive Health Care, v. 21, n. 5, p. 395400,
2 set. 2016.
COSTEIRA, R.; LEE, K.A.; MURRAY, B.; CHRISTIANSEN, C.; CASTILLO-
FERNANDEZ, J.; NI-LOCHLAINN, M.; CAPDEVILA-PUJOL, J.; MACFARLANE, H.;
KENNY, L.C.; BUCHAN, I.; WOLF, J.; RYMER, J.; OURSELIN, S.; STEVES, C.J.;
SPECTOR, T.D.; NEWSON, L.R.; BELL, J.T. Estrogen and COVID-19 symptoms:
associations in women from the COVID Symptom Study. PLoS One, v.16, 2021.
ERFINANDA L, RAVINDRAN K, KOHSE F, GALLO K, PREISSNER R, WALTHER T, et
al. Estrogen-mediated upregulation of the Mas receptor contributes to sex differences in acute
lung injury and lung vascular barrier regulation. Eur Respir J, 2020;
ESTEVÃO, A. Covid-19. Acta Radiológica Portuguesa, v. 32, n. 1, p. 5-6, 2020.
FARIAS, C. P.; ALVARENGA, V. M.; SOUZA, M. C. A. DE. Trombose venosa profunda
em pacientes com COVID-19:: revisão integrativa da literatura. Revista de Saúde, v. 12, n. 3,
p. 2025, 16 nov. 2021.
GRANDI, G.; FACCHINETTI, F.; BITZER, J. The gendered impact of coronavirus disease
(COVID-19): do estrogens play a role? The European Journal of Contraception &
Reproductive Health Care, v. 25, n. 3, p. 233 234, 2020.
KAU, A.L.; AHERN, P.P.; GIFFIN, N.W.; GOODMAN, A.L.; GORDON, J.I. Human
nutrition, the gut microbiome, and immune system: envisioning the future. Nature, v. 474,
n.7351, p. 327-336. Jun. 2011.
KHALILI, H.; HIGUCHI, L.; ANATHAKRISHNAN A.; RICHTER J.; FESKANICH D.;
FUCHS C.; CHAN A. Oral contraceptives, reproductive factors and risk of inflammatory
bowel disease. Gut, v. 62, n. 8, p. 11531159, ago. 2013.
LEE, J. H.; SONG, J. Y.; YI, K. W.; KIM, J. J.; HWANG, K.R.; SHIN, J.H.; LEE, J.Y.;
CHAE, H.D. Contraception in the COVID-19 pandemic: recommendations from the
Korean society of contraception and reproductive health, v. 65, n. 2, p. 125-132, 2022.
Estudo transversal: análise dos efeitos colaterais do contraceptivo hormonal e correlação com o quadro clínico da
Covid-19
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
62
LEON, L.R. Invited review: cytokine regulation of fever: studies using gene knockout mice, J
Appl Physiol, v. 92, p. 2648-2655, 2002.
LI, G., FAN, Y., LAI, Y., HAN, T., LI, Z., ZHOU, P., PAN, P., WANG, W., HU, D., LIU,
X., ZHANG, Q., WU, J. (2020). Coronavirus infections and immune responses. Journal of
medical virology, 92(4), 424-432. https://doi.org/10.1002/jmv.25685
LI, G.; LI, W.; SONG, B.S.; WANG, C.; SHEN, Q.; LI, B.; TANG, D.; XU, C.; GENG, H.;
GAO, Y.; WANG, G.; WU, H.; ZHANG, Z.; XU, X.; ZHOU, P.; WEI, Z.; HE, X.; CAO, Y.
Differences in the gut microbiome of women with and without hypoactive sexual desire
disorder: case control study. J Med Internt Res, v. 23, n. 2, e25342, 2021.
MATHIEU, E.; RITCHIE, H.; RODÉS-GUIRAO, L.; APPEL, C.; GIATTINO, C.; HASELL,
J.; MACDONALD, B.; DATTANI, S.; BELTEKIAN, D.; ORTIZ-OSPINA, E.; ROSER, M.
Coronavirus Pandemic (COVID-19). OurWorldInData.org. 2020.
MAUVAIS-JARVIS, F.; KLEIN, S. L.; LEVIN, E.R. Estradiol, progesterone,
immunomodulation, and COVID-19 outcomes, Endocrinology, v. 161, n. 9, bqaa127, 2020.
MIHAJLOVIC, J;. LEUTNER, M.; HAUSMANN, B.; KOHL, G.; SCHWARTZ, J.;
ROVERER, N.S.; LOBO, P.; MARUSZCZAK, K.; BASTIAN, M.; KAUTZKY-WILLER,
A.; BERRY, D. Combined hormonal contraceptives are associated with minor changes in
composition and diversity in gut microbiota of healthy women. Environmental
Microbiology, v. 23, n. 6, p. 3037-3047, 2021.
MIRTALEB, M. S. et al. Potential therapeutic agents to COVID-19: An update review on
antiviral therapy, immunotherapy, and cell therapy. Biomedicine & Pharmacotherapy, v.
138, p. 111518, 1 jun. 2021.
MITRE, E. I.; FIGUEIRA, A. S.; ROCHA, A. B.; ALVES, S. M. C. Avaliações audiométrica
e vestibular em mulheres que utilizam o método contraceptivo hormonal oral. Revista
Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 72, p. 350354, jun. 2006.
ROBAKIS T, WILLIAMS KE, NUTKIEWICZ L, RASGON NL. Hormonal Contraceptives
and Mood: Review of the Literature and Implications for Future Research. Curr Psychiatry
Rep. 2019 Jun 6;21(7):57. doi: 10.1007/s11920-019-1034-z. PMID: 31172309.
SILVA, D. F. DA; OLIVEIRA, M. L. C. DE. Epidemiologia da COVID-19: comparação
entre boletins epidemiológicos. Comun. ciênc. saúde, 2020.
SILVA, M. V. R.; CASTRO, M. V.; PASSOS-BUENO, M. R.; OTTO, P. A.; NASLAVSKY,
M. S.; ZATZ, M. Men are te main COVID-19 transmitters: lessons from couples. MedRxiv,
2021.
STAUB, K.; SCHLAGENHAUF, P. COVID-19 sequelae in adults aged less than 50 years: A
systematic review. Travel Medicine and Infectious Disease, v. 40, p. 101995, 2021.
SKOVLUND, C.W.; MORCH, L.S.; KESSING, L.V.; LIDEGAARD, O. Association of
hormonal contraception with depression, JAMA Psychiatry, v. 73, n. 11, p. 1154-1162,
2016.
Baratieri et al., 2023
Arquivos do Mudi, v. 27, n. 3, p. 54-63, ano 2023
63
SOUSA IC, ÁLVARES AC. A trombose venosa profunda como reação adversa do uso
contínuo de anticoncepcionais orais. Revista de Divulgação Científica Sena Aires, 2018; 7
(1): 54-65.
SPEYER CL, RANCILIO NJ, MCCLINTOCK SD, CRAWFORD JD, GAO H, SARMA JV,
et al. Regulatory effects of estrogen on acute lung inflammation in mice. Am J Physiol Cell
Physiol, v. 288, n. 4, p. C881-90, 2005.
TAKAHASHI, T.; ELLINGSON, M.K.; WONG, P.; ISRAELOW, B.; LUCAS, C.; KLEIN,
J.; SILVA, J.; MAO, T.; OH, J.E.; TOKUYAMA, M.; LU, P.; VENKATARAMAN, A.;
PARK, A.; LIU, F.; MEIR, A.; SUN, J.; WANG, E.Y.; CASANOVAS-MASSANA, A.;
WYLLIE, A.L.; VOGELS, C.B.F.; EARNEST, R.; LAPIDUS, S.; OTT, I.M.; MOORE, A.J.;
TEAM YALE, IMPACT. RESEARCH; SHAW, A.; FOURNIER, J.B.; ODIO, C.D.,
FARHADIAN, S.; DELA-CRUZ, C.; GRUBAUGH, N.D.; SCHULZ, W.L.; RING, A.M.;
KO, A.L.; OMER, S.B.; IWASAKI, A. Sex differences in immune responses that underlie
COVID-19 disease outcomes. Nature, v. 588, p. 315320, 2020.
TOFFOLETTO, S.; LANZENBERGER, R.; GINGNELL, M.; SUNDSTROM POROMAA,
I.; COMASCO, E. Imagem funcional emocional e cognitiva dos efeitos do estrogênio e
progesterona no cérebro humano feminino: uma revisão sistemática.
Psiconeuroendocrinologia. 2014;50:2852.
WILLI S., LUTHOLD R., HUNT A., HANGGI N.V., SEJDIU D., SCAFF C., BENDER N.,
STAUB K., SCHLAGENHAUF P. COVID-19 sequelae in adults aged less than 50 years: A
systemic review. Travel. Med. Infect. Dis. 2021;40:101995.
doi: 10.1016/j.tmaid.2021.101995.