A Inquisição como dispositivo genealógico dos poderes disciplinar e normalizador da sociedade moderna ocidental

Palavras-chave: Inquisição, poder disciplinar, poder normalizador, dispositivo escolar, dispositivo paroquial

Resumo

Instituída em 1229, a Inquisição surgiu como uma inovação no contexto jurídico feudal, constituindo-se como um sistema racional inédito e um dispositivo de poder para a determinação da verdade. A criação do Tribunal do Santo Ofício marcou uma fase inovadora dentro dessa emergência jurídica, inaugurando uma situação histórica nitidamente moderna. O objetivo primordial para a alta hierarquia eclesiástica era preservar a unidade doutrinária e o controle social. Tornou-se imperativo detectar, reconhecer e erradicar a heresia, o herético e o crime. Nessa abordagem, o poder eclesiástico é percebido como uma instituição que suprimiu o direito interindividual e feudal de administrar a justiça. A ênfase não residia mais na vingança do crime, mas sim na capacidade de "prever" e "impedir" a ocorrência do ato delituoso. O advento do método investigativo do inquérito proporcionou uma atualização sensível, imediata e aparentemente verdadeira dos eventos. Mas, o processo inquisitorial não se limitou à mera investigação dos eventos; ele organizou e sistematizou um saber abrangente sobre os sujeitos envolvidos. Esse procedimento inaugurou uma ciência do sujeito ocidental moderno por meio da denúncia, testemunho e confissão e se constituiu como dispositivo no interior da sociedade ocidental moderna. E por essa razão, esse artigo pretende argumentar, a partir da articulação com o pensamento de Michel Foucault, que um dos efeitos desencadeados pela Inquisição foi a proliferação de paróquias para a catequização das almas e de escolas para o adestramento de corpos e mentes.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Rogerio Luiz Klaumann de Souza, Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de História e Programa de Pós-Graduação em História

É Professor Titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Professor Colaborador e Visitante do Doutorado em Estudos Globais da Universidade de Lisboa. É pesquisador produtividade do CNPq. Coordena o Laboratório de Religiosidade e Cultura (LARC) e é membro investigador internacional do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL). Graduou-se em Filosofia pela Escola Superior de Estudos Sociais de Santa Catarina. Realizou estudos no âmbito da graduação em Letras - Francês e Português pela Universidade Federal de Santa Catarina, da graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí e da graduação em Teologia pelo Instituto Teológico de Santa Catarina. Fez mestrado em História do Brasil pela Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação de Artur Isaia, doutorado em História Cultural pela Universidade Federal do Paraná, sob a orientação de Euclides Marchi, e pós-doutorado em Ciências Sociais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França, sob a supervisão de Michael Löwy. Foi Pesquisador Visitante no Centre d'Etudes Interdisciplinaires des Faits Religieux (CEIFR), Paris, França. Presidiu e dirigiu a Associação Nacional de História - seção Santa Catarina (ANPUH/SC), tendo sido Editor-chefe da Revista de História Fronteiras e membro do conselho editorial da Revista Brasileira de História (RBH). Na UFSC, foi Pró-Reitor de Graduação, Presidente e Coordenador da comissão de criação e implantação do Campus da UFSC em Blumenau, Presidente e conselheiro da Câmara de Graduação, Vice-Diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Chefe de Departamento, Coordenador de Curso de Graduação, Coordenador de Extensão e Estágio. Participou da missão de avaliação dos Cursos de Ensino Superior das Universidades Públicas do Meio-Oeste dos Estados Unidos da América a convite da Embaixada dos EUA no Brasil. Organizou com Pedro de Souza, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Literatura da UFSC, em parceria com a Aliança Francesa de Florianópolis, o ciclo de debates CaféPhilo: Débat d'Idées. Tem experiência de pesquisa, ensino e extensão nas áreas da História Contemporânea, Econômica, da Educação e das Teorias da Religião, do Discurso e do Poder, com ênfase nos estudos das relações de imbricação ou de confronto entre os campos político, educacional, econômico e religioso, da ética econômica e social, da biopolítica, dos discursos e dos dispositivos de controle religioso dos corpos para o trabalho, o consumo e a reprodução da vida, dos espaços escolares confessionais e da normalização de sujeitos, da governamentalidade pela via religiosa e do controle de populações, da economia humanista e do pensamento ético-religioso, da militância e da formação religiosa da intelectualidade contemporânea, das sociabilidades católicas e da cultura política brasileira, da diversidade religiosa e das virtualidades heréticas, da emancipação de sujeitos religiosos criminalizados e subjugados e dos movimentos sociais e dos partidos políticos na interface com a religião e as práticas religiosas.

Referências

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 2002.
ASSIS, Ângelo Adriano Faria de. Inquisição, religiosidade e transformações culturais. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Humanitas Publicações, vol. 22, n° 43, p. 47-66, 2002.
BATAILLE, George. Teoria da religião. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
BERMAN, Harold. Law and Revolution: The Formation of the Western Legal Tradition. Cambridge: Harvad Univerty Press, 1983.
DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1987.
DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: G. DELEUZE, Conversações (1972-1990). Rio de Janeiro: Ed. 34, p. 219-226, 1992.
DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.
_________________. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau ed., 1996.
_________________. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 2000.
_________________. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
KLAUMANN, Rogério. A paroquialização como fenômeno geopolítico e estratégia biopolítica no processo de formação da República no Brasil. Revista História Unisinos 24(1):67-82, janeiro/abril 2020 – doi: 10.4013/hist.2020.241.07.
SOUTHERN, Richard W. Western Society and the Church in the Middle Ages. Londres: Penguin Publishing Group, 1990.
STRAYER, Joseph. Origens medievais do Estado Moderno. Lisboa: Gradiva, 1986.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11a ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
Publicado
2023-12-25
Como Citar
Klaumann de Souza, R. L. (2023). A Inquisição como dispositivo genealógico dos poderes disciplinar e normalizador da sociedade moderna ocidental. Revista Brasileira De História Das Religiões, 16(47). https://doi.org/10.4025/rbhranpuh.v16i47.70377