A Inquisição como dispositivo genealógico dos poderes disciplinar e normalizador da sociedade moderna ocidental
Resumo
Instituída em 1229, a Inquisição surgiu como uma inovação no contexto jurídico feudal, constituindo-se como um sistema racional inédito e um dispositivo de poder para a determinação da verdade. A criação do Tribunal do Santo Ofício marcou uma fase inovadora dentro dessa emergência jurídica, inaugurando uma situação histórica nitidamente moderna. O objetivo primordial para a alta hierarquia eclesiástica era preservar a unidade doutrinária e o controle social. Tornou-se imperativo detectar, reconhecer e erradicar a heresia, o herético e o crime. Nessa abordagem, o poder eclesiástico é percebido como uma instituição que suprimiu o direito interindividual e feudal de administrar a justiça. A ênfase não residia mais na vingança do crime, mas sim na capacidade de "prever" e "impedir" a ocorrência do ato delituoso. O advento do método investigativo do inquérito proporcionou uma atualização sensível, imediata e aparentemente verdadeira dos eventos. Mas, o processo inquisitorial não se limitou à mera investigação dos eventos; ele organizou e sistematizou um saber abrangente sobre os sujeitos envolvidos. Esse procedimento inaugurou uma ciência do sujeito ocidental moderno por meio da denúncia, testemunho e confissão e se constituiu como dispositivo no interior da sociedade ocidental moderna. E por essa razão, esse artigo pretende argumentar, a partir da articulação com o pensamento de Michel Foucault, que um dos efeitos desencadeados pela Inquisição foi a proliferação de paróquias para a catequização das almas e de escolas para o adestramento de corpos e mentes.
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Referências
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