RELATO DE CASO
Leishmaniose disseminada e particularidades do cuidado
Mônica Shishido1
Rafael Prizon Tronco2
Letícia Ziggiotti de Oliveira3
Renata Bernardini de Lima4
*Rosangela Ziggiotti de Oliveira5
1 Universidade Estadual de Maringá, Maringá,Paraná,BR. 2 Universidade Estadual de
Maringá. 3 Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, Curitiba, Paraná, BR. 4 Hospital
Erasto Gaerthner, Curitiba, Paraná, Brasil. * autor para correspondência.
E-mail: ro.ziggiotti@gmail.com
Resumo
Trata-se do relato de caso de um paciente com Leishmaniose disseminada e o impacto da doença sobre sua saúde mental. Desenvolveu ataques de pânico, deprimiu-se e viu sua autoimagem destruir-se. Abandonou o tratamento por mais de uma vez e afastou-se do trabalho voluntariamente. Emagreceu, isolou-se da família e relatou que a fetidez das feridas e a localização na face assustavam e afastavam as pessoas do convívio. Em função de sua saúde mental, abandonou o tratamento e outras opções medicamentos as tiveram que serutilizadas. As equipes de saúde pelas suas características e atribuições, podem identificar e ajudar os pacientes a superarem as dificuldades enfrentadas, no percurso da doença.
Palavras chave: Leishmaniose; Acolhimento; Saúde Mental; Autoimagem; Cuidados primários; Pacientes
Abstract
This article is about the case report of a patient with disseminated Leishmaniasis and the impact of the disease on their mental health. The patient developed panic attacks, became depressed, and saw their self-image destroy itself. They abandoned treatment more than once and quit their job. She lost weight, became estranged from the family and reported that the fetidness of the wounds and their presence on their face scared people away. Because of their mental health, they abandoned treatment and other drug options had to be used. The health teams, due to their attributions and characteristics, can identify and help patients to overcome the difficulties faced during the course of the disease, strengthening bonds and contributing to treatment adherence.
Key-words: Leishmaniasis; Embracement; Mental Health; Self image; Primare care; Patients
Introdução
O cuidado na prática dos serviços de saúde não concebe mais um olhar fragmentado que visa apenas a doença, nesse contexto, citam-se os indivíduos com feridas crônicas que trazem um sofrimento psíquico freqüentemente relacionado à imagem corporal. Uma delas é a leishmaniose tegumentar americana (LTA) presente em todas as regiões do país. Uma de suas formas raras e emergente, é a Leishmaniose Disseminada (LD) que se define pela presença de mais de dez lesões cutâneas polimórficas, distribuídas em mais de duas áreas não contíguas do corpo1. Sintomas sistêmicos podem
estar presentes e a mucosa das vias aéreas pode ser acometida em qualquer fase da doença1. É encontrada em 2% dos casos de LTA2.
Objetivos:
Relatar o caso de um paciente com LD e seu impacto na saúde mental.
Relato do caso
Um homem de 38 anos, comerciante, residente em um distrito administrativa de uma cidade do noroeste do Paraná, procurou à Unidade Básica de Saúde em janeiro de 2017 com uma úlcera surgida inicialmente no hálux esquerdo e que após algumas semanas se disseminou para a face, com múltiplas lesões acneiformes e papulosas acompanhadas de adenopatia regional. Encaminhado ao dermatologista de referência do Consórcio Intermunicipal de Saúde onde foi confirmado o diagnóstico de LD com a pesquisa direta, sorologia e aspecto o clínico da mesma. Durante o tratamento que teve a duração de mais de um ano, apresentou reações adversas pelo elevado perfil de toxicidade da medicação (antimoniato de meglumina), fez recidiva das lesões, abandonou o tratamento e a doença afetou a mucosa do nariz. Neste percurso desenvolveu quadro depressivo e ataques de pânico, período em que desistiu do tratamento com Anfotericina B, medicação que parecia estar reduzindo as lesões. O paciente afastou-se do trabalho voluntariamente, perdeu peso, isolou-se da família e relatou que a fetidez das feridas e a localização na face assustavam e afastavam a clientela do seu comércio. Fez uso de outras
medicações para tratar a doença como itraconazol e infiltrações locais com antimoniato de meglumina. Foi necessário usar antidepressivo para tratar a depressão e os ataques de pânico no intuito de ajudá-lo superar as dificuldades e dar continuidade ao tratamento que teve a duração de aproximadamente 18 meses. Não houve relato de ser encaminhado ao serviço de apoio psicológico. O protocolo do Ministério da saúde orienta que uma vez curado o paciente deve ser acompanhado de dois em dois meses por um ano após o término do tratamento2.
Discussão
Na região Sul do país, a LTA predomina no estado do Paraná, especialmente ao Norte e Oeste, onde se localiza um dos circuitos de produção da doença3. Desde o início dos anos 2000 o atendimento da doença nos municípios endêmicos é descentralizado para as unidades básicas de saúde com encaminhamentos para referência secundária apenas os casos de maior dificuldade diagnóstica e tratamento4. Apesar dos sucessivos treinamentos e capacitações ofertadas aos profissionais da rede básica de saúde que estão envolvidos nos cuidados destes pacientes, é provável que o enfoque às condições psíquicas e emocionais que o indivíduo possa apresentar sejam subestimadas no percurso da doença e no tratamento. Para alguns autores isso poderia ser decorrente do fato da doença não ameaçar diretamente a vida5. Neste paciente observou-se a repercussão do agravo no psiquismo que provocou uma imagem corporal negativa, reduziu
a autoconfiança, interferiu nas suas relações sociais e resultou na dificuldade de adesão ao tratamento. Embora se reconheça a pressão da demanda numa Unidade Básica de Saúde, a sensibilização dos profissionais das equipes para reconhecimento precoce de sintomas de depressão e ansiedade e a mobilização de suportes sociais, certamente irão contribuir na melhoria da qualidade de vida destes pacientes.
Conclusão
As leishmanioses são consideradas doenças negligenciadas prioritárias pela Organização Mundial de saúde1 e a forma tegumentar é a mais comum. A forma disseminada (LD), embora rara vem aumentando sua ocorrência no país e tem como característica seu difícil manejo dado ao elevado número de lesões e freqüente acometimento mucoso. É atribuição dos profissionais de saúde atentar para o reflexo social, econômico e psíquico que a doença traz a seus portadores, aspecto que parece essencial no controle e cura da doença.
Referências
1- Machado GU, Prates FV,
Machado PRL. Disseminated
leishmaniasis: clinical,
pathogenic and therapeutic
aspects. An. Bras Dermatol,
2019; (1):09-16.
2- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis. Manual de Vigilância da Leishmaniose Tegumentar. Brasília, Ministério da Saúde, 2017.
3- Nunes, CSA, Yoshizawa, JK, Oliveira, RZ, Lima, AP, Oliveira, LZ, Lima,MVN. Leishmaniose Mucosa: considerações epidemiológicas e de tratamento. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011 Jan- março; 6(18):52-56.
4- Lima MVN,Oliveira, RZ, Lima, AP, Feliz,MLO, Silveira, TGV, TOSSI, RM, Teodoro,U. Atendimento de pacientes com Leishmaniose Tegumentar Americana: avaliação nos serviços de saúde de municípios do noroeste do Estado do Paraná. Cad. de Saúde Pública. 2007 Dez; 23(12): 2938-2948.
5- Honório IM, Cossul MU, Bampi LNS, Baraldi S. Qualidade de Vida em Pessoas com Leishmaniose Cutânea. Rev. Bras Promoç Saúd, 2016, 29 (3):342-349.
Recebido em Ago, 04, 2022.
Aceito em Sept, 09,2022.