De veado à anta, de interdito à carne. A (re)classificação estratégica do gadoentre os Karitiana no sudoeste da Amazônia
Resumo
Registros dos primeiros contatos com bois, cavalos e outros animais de rebanho (burros, cabras, ovelhas, búfalos, porcos e outros) introduzidos com a invasão europeia no Novo Mundo, assim como das memórias destes eventos, são bastante raros entre os povos indígenas nas terras baixas sul-americanas. Por esta razão, sabemos quase nada dos processos de (re)conhecimento desses novos e estranhos seres e de sua paulatina incorporação (ou recusa) seja ao cotidiano das aldeias, seja aos chamados sistemas de conhecimento nativos. Este artigo discute algumas narrativas relacionadas ao aparecimento e aos primeiros encontros com os bovinos e equinos registradas entre os Karitiana, povo de língua Tupi-Arikém no norte do estado de Rondônia. A história do boi e do cavalo entre os Karitiana aponta para um processo de classificação inicial, seguido do que parece ter se constituído em uma estratégia de reclassificação desses seres – detectada recentemente (2023) por meio de uma troca dos nomes dos animais – que foi conduzida pelos modos de aproveitamento dos bois e cavalos que se alteraram ao longo do tempo. Esse processo transcorreu na medida em que o exótico se torna cada vez mais corriqueiro e familiar na paisagem rondoniense devastada e crescentemente ocupada pelo gado a partir dos anos de 1950.
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