A inscrição do trauma: sobre Die Ursache, de Thomas Bernhard
Resumo
Este artigo é um desdobramento de uma pesquisa desenvolvida dentro de uma Residência Pós-Doutoral feita no Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), focada na autobiografia do escritor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989). A pesquisa teve como objeto o volume Origem, publicação da Companhia das Letras que compila cinco relatos autobiográficos escritos entre 1975 e 1982. Neste texto, exponho alguns dos resultados referentes à análise do relato escrito em 1975, denominado Die Ursache [‘A causa’]. O objetivo principal foi analisar como a formação do sujeito autobiográfico, por meio das escolhas de composição narrativa, entrelaça-se com os rastros de uma vivência à luz (ou à sombra) do solo austríaco, marcado pelo nazismo e pelo imediato pós-guerra. Recorrendo a alguns recursos teóricos provenientes da psicanálise e do materialismo lacaniano, investiguei como Bernhard utiliza a linguagem como ferramenta para expressar sintomas e angústias resultantes de experiências traumáticas que não são somente suas, mas de um coletivo. Assim, a análise de Die Ursache revela a denúncia da sobrevivência das marcas do Estado nazista, destacando tanto a impossibilidade de conformação social quanto a persistência do trauma, ao mesmo tempo em que desestabiliza a centralidade do relato no ‘ideal de eu’ construído – tomando como ponto de partida a lição de Lacan de que a centralidade do ‘eu’ não existe, bem como, para Žižek, o sujeito jamais se constrói acima da ideologia. Busquei, dessa forma, dialogar com as complexidades históricas e culturais da época de Bernhard – sem recair em psicologizações como ‘ressentimento’ e ‘melancolia’, ou focar no conteúdo do relato apenas como expressão de uma vítima. Por fim, destaco, ao longo do artigo, os momentos que me permitiram observar os sintomas que revelam os obstáculos, a impossibilidade e a persistência do Real.
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