Violência nas relações homossexuais

– Uma bio-necropolítica?

  • Daniel Cerdeira de Souza Universidade Federal de Santa Catarina
  • Eduardo Jorge Sant'Ana Honorato Universidade do Estado do Amazonas
Palavras-chave: Violência por parceiro íntimo; Casais do mesmo sexo; Biopolítica; Necropolítica.

Resumo

Este ensaio teórico levantou o questionamento sobre a atuação do estado em relação a violência por parceiro íntimo (VPI) nas relações homossexuais. Tentamos mostrar que a categoria gênero por si só não dá conta de explicar VPI desse público, pois essa tem peculiaridades que são inerentes a experiência de ser homossexual, onde sugerimos ser adequado o uso da interseccionalidade para pensar esse tipo de violência. Em um segundo momento, problematizamos os conceitos de biopolítica de Michel Foucault e necropolítica de Achille Mbembe para pensarmos como o Estado lida com esse fenômeno. Como resultados, entende-se que o Estado atua em uma linha tênue entre um deixar morrer e uma necropolítica em relação a VPI homossexual. O reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, apesar de ser uma conquista importante, não trouxe consigo políticas de VPI, culminando no despreparo dos profissionais do país em lidar com essa demanda  e isso, aliado a homofobia e a discriminação revitimiza homossexuais que procuram auxílio formal para essa demanda. Vale ressaltar que esse status encontra apoio da sociedade baseada na heteronormatividade e no conservadorismo, que não legitima a diversidade de relações afetivo-sexuais. A falta de dados sobre a VPI homossexual é outro fator que não elucida o problema como tal.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Daniel Cerdeira de Souza, Universidade Federal de Santa Catarina

Psicólogo, Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental (UNIFIA), Mestre em Psicologia e processos psicossociais (UFAM) e doutorando em Psicologia (UFSC)

Eduardo Jorge Sant'Ana Honorato, Universidade do Estado do Amazonas

Psicólogo, Doutor em Saúde Pública - Saúde da Criança e da Mulher, com ênfase em Sexualidade, Reprodução, Gênero e Saúde, pela Fiocruz (IFF-RJ). Professor Adjunto na Escola Superior de Ciências da Saúde – (ESA/UEA). Professor no Programa de Mestrado Profissionalizante em Saúde da Família (Abrasco-Fiocruz).

Referências

AIRES, S. Corpos marcados para morrer. Revista Cult. São Paulo. v. 240., p.29-32. 2018.

ALEXANDER, C. J. Violence in Gay and Lesbian Relationships. Journal of Gay & Lesbian Social Services, Londres, v. 14, n.1, p. 95-98, 2002.

ASSIS, J. F. de. Interseccionalidade, racismo institucional e direitos humanos: compreensões à violência obstétrica. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 133, p. 547-565, 2018.

BENICIO, L. F. de S. et al . Necropolítica e Pesquisa-Intervenção sobre Homicídios de Adolescentes e Jovens em Fortaleza, CE. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 38, n. spe2, p. 192-207, 2018.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Presidência da República, 2006. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acessos em 22 de junho de 2020.

BRASIL. Lei n. 13.104, de 9 de Março de 2015.
Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm. Acessos em 22 de junho de 2020.

BULLER, A. M. et al. Associations between Intimate Partner Violence and Health among Men Who Have Sex with Men: A Systematic Review and Meta-Analysis. PLOS Medicine, Nova York. v. 11, n. 3, p.e1001609, 2014.

BUTLER, J. Regulações de gênero. Cad. Pagu, Campinas, n. 42, p. 249-274, 2014.

CAMPOS, R. O impacto das reformas econômicas neoliberais na América Latina: desemprego e pobreza. Polis, Santiago, v. 47, pág: 1-20, 2017.

CARAVACA-MORERA, J. A.; PADILHA, M. I. Necropolítica trans: diálogos sobre dispositivos de poder, morte e invisibilização na contemporaneidade. Texto contexto - enferm., Florianópolis, v. 27, n. 2, e3770017, 2018.

CERQUEIRA-SANTOS, E. et al. Homofobia internalizada e religiosidade entre casais homoafetivos. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto. v.25, n.2. p.691-702, 2017.

CEZARIO, A. C. F. et al. Violência entre parceiros íntimos: uma comparação dos índices em relacionamentos hetero e homossexuais. Temas psicol., Ribeirão Preto, v. 23, n. 3, p. 565-575, set. 2015.

CHONG, E. S. K.; MAK, W. W. S.; KWONG, M. M. F. Risk and Protective Factors of Same-Sex Intimate Partner Violence in Hong Kong. Journal of Interpersonal Violence. Nova York, v. 28, n. 7, p. 1476-1497, 2013.

CONNELL, R. W. Masculinities. Berkeley: University of California Press, 1995.

__________; MESSERSCHMIDT, J. W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-282, 2013.

COSTA, A. B.; NARDI, H. C. O casamento "homoafetivo" e a política da sexualidade: implicações do afeto como justificativa das uniões de pessoas do mesmo sexo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 137-150, 2015.

CRENSHAW, K. W. A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. 2002. Recuperado de: https://acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/09/Kimberle-Crenshaw.pdf. Acesso em 19 de fevereiro de 2020.

DE BARROS, I. C.; SANI, A.; SANTOS, L. “É igual mas é diferente”. Género e violência na intimidade entre pessoas do mesmo sexo. Análise Social, Lisboa, v. 1, n. 230, p. 106-130, 2019.

DE SANTIS, J. P., et al. The Tangled Branches (Las Ramas Enredadas): Sexual Risk, Substance Abuse, and Intimate Partner Violence Among Hispanic Men who Have Sex with Men. J Transcult Nurs. Nova York, v.25, n.1, p. 1-15, 2014.

EDDIE, S. K. et al. Risk and Protective Factors of Same-Sex Intimate Partner Violence in Hong Kong. Journal of Interpersonal Violence, Nova York, v. 28 n.7, p. 1476 -1497, 2013.

EDWARDS, K. M et al Physical Dating Violence, Sexual Violence, and Unwanted Pursuit Victimization: A Comparison of Incidence Rates Among Sexual-Minority and Heterosexual College Students. Journal of Interpersonal Violence, Nova York, v.30, n.4, p. 580-600, 2015.

ELÍSIO, R.; NEVES, S.; PAULOS, R. A violência no namoro em casais do mesmo sexo: discursos de homens gays. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra. n.117, p. 47-72, 2018.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.

__________. Nascimento da biopolítica. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2008.

GOLDBERG, N. G.; MEYER, I. H. Sexual Orientation Disparities in History of Intimate Partner Violence: Results From the California Health Interview Survey. Journal of Interpersonal Violence, Nova York, v.28, n. 5, p. 1109-1118, 2013.

GOLDENBERG, T. et al.‘Struggling to be the alpha’: sources of tension and intimate partner violence in same-sex relationships between men. Culture, Health & Sexuality. Londres, v.18, n.8. p. 875-889, 2016.

GOMES, R. ; HONORATO, E. J. S.; GRANJA, E. M. S. ; RISCADO, J. L. S. Corpos masculinos no campo da saude: ancoragens na literatura. Ciência e Saúde Coletiva, v. 19, p. 165-172, 2014.

GUADALUPE-DIAZ, X. L.; JASINSKI, J. “I Wasn’t a Priority, I Wasn’t a Victim”: Challenges in Help Seeking for Transgender Survivors of Intimate Partner Violence. Violence Against Women, Nova York, v. 23, n.6, p.772-792, 2016.

KANUHA, V. K. “Relationships So Loving and So Hurtful”: The Constructed Duality of Sexual and Racial/Ethnic Intimacy in the Context of Violence in Asian and Pacific Islander Lesbian and Queer. Women’s Relationships. Violence Against Women, Nova York. v. 19, n. 9, p.1175-1196, 2013.

LIMA, F. Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro , v. 70, n. spe, p. 20-33, 2018.

MARTINS, A. A. et al. Percepções de Graduandos em Saúde sobre Relacionamentos Sorodiscordantes para HIV/Aids. Revista Saúde em Redes, São Paulo, v. 4, n.2, p. 71-84, 2018.

MBEMBE, A. NECROPOLÍTICA: soberania estado de exceção política da morte. Arte & Ensaios - Revista do PPGAV/EBA/UFRJ. Rio de Janeiro, n. 32, p. 123-151, 2016.

MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa: Antígona, 2017.

MELLO, R. P. Corpos, heteronormatividade e performances híbridas. Psicol Soc. Belo Horizonte, v. 24, n. 1, p. 197-207, 2012.

MESSINGER, A. LGBTQ Intimate Partner Violence: Lessons for Policy, Practice, and Research. Oakland: University of California Press, 2017.

MEYER, I. H. Prejudice, Social Stress, and Mental Health in Lesbian, Gay, and Bisexual Populations: Conceptual Issues and Research Evidence. Psychol Bull. v. 129, n. 5, p. 674-697, 2003.

OLIVEIRA, A. K. C. da M. C de. Histórico, produção e aplicabilidade da Lei Maria da Penha: Lei nº 11.340/2006. 2011. 121 f. Monografia (especialização). Processo legislativo, Câmara dos Deputados, Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento (Cefor), Brasília, 2011.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. OMS: São Paulo, 2012.

RENZETTI, C. M., CURRAN, D. J. Women, men and society. Boston: Allyn and Bacon, 1992.

RODFIRGUES, C.; AIRES, S. Devir Negro: A literatura de Achille Mbembe no Brasil. Revista Cult. São Paulo. v. 240., p.16-35. 2018.

SANTOS, A. C. ‘Entre duas mulheres isso não acontece’ – Um estudo exploratório sobre violência conjugal lésbica. Revista Crítica de Ciências Sociais, Lisboa, v.98, p. 3-24, 2012.

SILVA, T. A. et al. Movimento LGBT, políticas públicas e saúde. Revista Amazônica (online), Manaus, v. 21, n.2, p. 191-208, 2018.

SOUZA, D.C et al. Assassinatos de LGBTs no Brasil – uma análise de literatura entre 2010-2017. Periódicus, Salvador, v. 1, n. 10, p. 24-39, 2018.

SOUZA, J. M. A. de. Edmund Burke e a gênese conservadorismo. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 126, p. 360-377, 2016.

STEPHENSON, R. et al., Intimate partner, familial and community violence among men who have sex with men in Namibia. Cult Health Sex, Londres, v.6, n.5, p.473–487, 2014.

STILES-SHIELDSA, C.; CARROLLA, R. A. Same-Sex Domestic Violence: Prevalence, Unique Aspects, and Clinical Implications. Journal of Sex & Marital Therapy. Londres. v.41, n.6. p.636-648, 2015.

TARTUCE, F. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2015.

SANTOS, B. de S. A Crítica da razão indolente: Contra o desperdício da experiência. Editora Cortez, 2020.

SCOTT, J. Gênero: Uma Categoria Útil para Análise Histórica. New York, Columbia University Press, 1989.
Publicado
2020-11-13
Como Citar
Souza, D. C. de, & Honorato, E. J. S. (2020). Violência nas relações homossexuais. Revista Espaço Acadêmico, 20(225), 230-246. Recuperado de https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/54450