PANDEMIA COVID-19: CATÁSTROFE SANITÁRIA E PSICOSSOCIAL
Resumo
A velocidade da pandemia COVID-19 e a incapacidade dos sistemas de saúde responderem oportunamente deflagram uma crise sanitária que evidencia a interdependência entre os processos ambientais, econômicos, sociais, culturais e políticos. Este ensaio procura demonstrar a importância das relações entre a realidade psíquica e a realidade externa nesta crise sanitária e social. Analisamos alguns dos seus condicionantes e manifestações, focalizando paradoxos e tensões que se destacam, particularmente, em dois âmbitos: a) nos padrões de sociabilidade e modos de representação do indivíduo na sociedade, destacando-se o paradoxo da formação imaginária do indivíduo individualizado, supostamente autônomo, potente e capaz de se autogerir, vis-à-vis a constatação crescente de seu desconhecimento, descontrole e incapacidade de salvação individual na pandemia, bem como o reconhecimento das desigualdades estruturais da sociedade, iluminadas pelos refletores da pandemia; b) no âmbito dos serviços públicos de saúde e do cotidiano de seus profissionais, o paradoxo da precarização histórica do Sistema Único de Saúde (SUS), predominantemente representado pela mídia, até então, como ineficaz, e sua súbita promoção imaginária ao lugar salvacionista de depositário das esperanças e, por isso, merecedor dos investimentos que lhe faltaram desde sua criação. Finalmente discutimos a pandemia COVID-19 como uma catástrofe psicossocial, resultante da superposição e interpenetração das catástrofes sanitária e social, enquanto realidade externa, à realidade interna (psíquica) dos sujeitos e apontamos a importância, para as possíveis reconfigurações da sociedade no pós-pandemia, de um trabalho coletivo sobre e pela palavra, em narrativas que visem a (re)construção de sentidos sobre o horror que ora vivemos.
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